Histórico do processo:

 

Conforme dados do MEC, atualmente no Brasil “existem 76 mil escolas rurais, com mais de 6,2 milhões de matrículas e 342 mil professores”. Para atender as necessidades dessa população, foi lançado, no ano de 2012, o Programa Nacional de Educação do Campo - PRONACAMPO, cujo papel é assegurar que a população da zona rural tenha a qualidade e dignidade essenciais para a vida no campo.

O Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Superior – SESU, Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica - SETEC e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI, publicou o Edital SESU/SETEC/SECADI/MEC Nº 2 em 5 de setembro de 2012, convocando as Instituições Federais de Educação Superior a apresentarem Projetos Pedagógicos de cursos presenciais de Licenciatura em Educação do Campo do Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo - PROCAMPO, em cumprimento à Resolução CNE/CEB n° 1, de 3/4/2002, ao Decreto nº 7.352, de 04/11/2010 e em consonância com o Programa Nacional de Educação do Campo – PRONACAMPO.

 

Equipe executora do Projeto Pedagógico da LEdoC - FURG/SLS:

Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira

Profª. Dra. Claudete Miranda Abreu

Profª. MSc. Cristina Maria Loyola Zardo

Profª. Dra. Lucia de Fátima Socoowski de Anello

Prof. Dr. Jean Tiago Baptista

TAE MSc. Daiane Teixeira Gautério

TAE Biol. Eonice Soares de Lacerda

TAE MSc. Michelle Reinaldo Protasio

 

Marco conceitual, metodológico e legal:

 

O Projeto Político Pedagógico de uma escola representa a visão de mundo e de formação humana presente em um corpo pedagógico; é o guia para ações coletivas. (...) sabemos que as práticas cotidianas das escolas, muitas vezes, não conseguem refletir os anseios daquele Projeto, distanciando-se de uma prática pedagógica que seja crítica, coletiva e humanista. (MACHADO, et, al, 2008, p.49)

 

                A epígrafe traduz o nosso anseio, enquanto FURG, em desenvolvermos ações educativas pensadas nos contextos práticos da vida de sujeitos que estão no campo e que o tem direito de se qualificar a partir de um horizonte que favoreça a construção de aprendizagens significativas. Essa ação tem por referência legal compromisso no cumprimento do decreto lei 7.352/2010 quando reconhece em seu Art. 1o  que: “A política de educação do campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação”. 

Discutir a Educação do Campo pressupõe clareza dos seus processos históricos, apresentando um diagnóstico, que serve para ilustrar os movimentos da sociedade em favor de grupos financeiramente detentores do poder. Uma decorrência direta desse processo consiste na dificuldade dos educandos permanecerem no campo. Associado a isso emerge a discussão sobre as condições precárias em que o ensino foi tradicionalmente ofertado para a população rural e que se perpetua ainda hoje. Desse modo, entendemos que há uma dívida histórica com as comunidades autóctones, pequenos produtores, comunidades indígenas, quilombolas e negras que vivem no campo sem a garantia dos direitos básicos, inclusive a Educação.

Denunciando essas distorções percebemos que no contexto do campo as implicâncias do sistema aparecem de forma explícita, dificultando em muitos casos o desenvolvimento de ações efetivas de emancipação social:

 É no campo que se fecham escolas quando se mudam os dirigentes dos governos municipais, se fecham impunemente escolas, ou se levam os meninos de um lado para outro”, [...] “não há um sistema, não há ainda algo a ser respeitado, algo que tenha uma dinâmica própria, uma vida própria, que esteja acima do novo dirigente ou da administração do Município ou do Estado (ARROYO, 2005, p.1).

Outra compreensão que essa proposta assume, consiste na diferenciação entre os conceitos de rural e campo, que contribui para o entendimento dos procedimentos que tomaremos no decorrer do curso. Frisamos que existem duas perspectivas epistemológicas e políticas diferenciadas nas acepções entre educação rural e educação do campo. Compreendemos que educação do campo não pode ser mais vista como educação rural, pois a expressão “educação rural” revela uma concepção excludente, mercadológica, competitiva e capitalista de educação que está a serviço de uma formação pragmática, ou seja, limitada ao ato de instruir o sujeito para adquirir conhecimentos e habilidades que o tornem apto a atender os interesses do mercado de trabalho.

Este curso de Licenciatura não está em consonância com as políticas que reforçam a perspectiva capitalista de sustentação e fortalecimento do agronegócio, fato este que contribui para a evasão do pequeno produtor do campo. Dessa forma é importante termos uma opção epistemológica no que diz respeito à Educação Rural e do Campo.

Fernandes e Paludo (2008) apresentam uma discussão que contribui nesta diferenciação. A expressão “educação do campo” assume uma postura político-pedagógica crítica, dialética e dialógica voltada à formação de sujeitos conscientes, a partir de uma visão humanizadora que respeita e valoriza sua identidade cultural. Essa reivindicação já teria sido colocada em pauta na 1ª Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo. Naquele contexto foi reafirmado que “o campo é espaço de vida digna e que legitima a luta por políticas públicas específicas e por um projeto educativo próprio para os sujeitos” (CANDAR, 2004)

Conforme dados do MEC, atualmente no Brasil “existem 76 mil escolas rurais, com mais de 6,2 milhões de matrículas e 342 mil professores”. Para atender as necessidades dessa população foi lançado, no ano de 2012, o Programa Nacional de Educação do Campo - PRONACAMPO, cujo papel é assegurar que a população da zona rural tenha a qualidade e dignidade essenciais para a vida no campo.

A FURG, inclusa nessa proposta de fortalecer as escolas do campo, indígenas e quilombolas, diminuindo a disparidade de acesso à formação inicial em nível superior, propõe a criação do Curso de Licenciatura em Educação do Campo com ênfase em Ciências da Natureza e Ciências Agrárias. Faz-se urgente a oferta nessa área a partir de dados do próprio MEC, que apontam que na zona rural, 46,8% dos professores não possuem licenciatura.  Sobre a educação básica, o INEP (2005), apontou que o Brasil necessita de 711 mil professores: 235 mil docentes no Ensino Médio e 476 mil para turmas de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental. Assim sendo, a LEdoC propõe alternativas de organização escolar e pedagógica, ações que contribuam para a expansão da oferta da educação básica nas comunidades rurais, oportunizando a superação das desvantagens educacionais sofridas pelas populações do campo.

Verificando tal demanda as IFES devem contemplar, através de projetos, alternativas de organização escolar e pedagógica, ações que contribuam para a expansão da oferta da educação básica nas comunidades rurais, oportunizando a superação das desvantagens educacionais sofridas pelas populações do campo. O Projeto Pedagógico da LEdoC é o documento que delineia a identidade e a concepção educacional do curso, delimitando o planejamento de ações didático-pedagógicas, técnico-científicas e sócio-culturais que visam à formação acadêmica e profissional do estudante.

Princípios norteadores:

A LEdoC - FURG/SLS, criada em 2014, tem como público-alvo professores, moradores e/ou pequenos produtores da agricultura familiar, quilombolas, pescadores artesanais e indígenas que pretendem atuar como educadores nas séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nas Escolas do Campo. Além dos conteúdos específicos e da área de formação pedagógica, o foco da formação no referido curso terá como ênfase nas Ciências da Natureza e Ciências Agrárias. Desse modo, a proposta da Universidade Federal do Rio Grande - FURG almeja, dentre outros objetivos, a formação de novas lideranças que venham a contribuir com a permanência dos sujeitos no campo, de forma comprometida e crítica, intervindo positivamente na garantia de condições dignas dos sujeitos que ali convivem, compartilham suas existências, seus hábitos, costumes e sonhos. Com uma primeira entrada de 15 estudantes, três destes são os primeiros formandos do curso, quatro anos após o ingresso, ao final de 2017.

A região sul do estado do Rio Grande do Sul é composta por municípios que tem como característica, tanto pequenas áreas produtivas que detém a mão de obra familiar, quanto grandes proprietários, que no Sul são denominados estancieiros, constituindo um cenário de disputa e de exclusão social que intensificam o êxodo rural. Dessa forma, cabe ressaltar, que a região de abrangência da FURG com sua estrutura de multicampi é reveladora da presença de sujeitos que podem integrar esse curso, desde São Lourenço do Sul, quanto em Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, Santo Antônio da Patrulha, além dos municípios e ilhas adjacentes. Já temos alguns projetos de formação de Ensino Fundamental e Médio para esses sujeitos, no entanto, não possuímos formação específica em nível de graduação. O curso se justifica por pretender abranger várias comunidades, em especial, a partir do Campus de São Lourenço do Sul, e formar educadores com conhecimentos voltados para a educação do campo valorizando os aspectos culturais e étnicos dessa região. Há interesse dos pequenos produtores rurais que os filhos estudem e permaneçam nas propriedades com o conhecimento voltado para os seus interesses (Agroecologia), sem que precisem se deslocar para os grandes centros. Além disso, as frustradas safras, o desemprego, o desconforto, a falta de condições para a educação e saúde a que são submetidas às famílias que residem na área rural são, entre outras, as causas principais do êxodo rural, sem esquecer a forte atração que a cidade exerce, principalmente para os jovens.

Em São Lourenço são identificadas comunidades quilombolas, pescadores artesanais, pequenos produtores rurais e pomeranos. Contrasta com este contexto o cultivo da soja pela lógica do agronegócio. Em São José do Norte, temos a presença dos pequenos produtores de cebola que agora sofrem o impacto das grandes empresas voltadas para celulose e papel que estão adentrando no município com o plantio de eucaliptos e de pinheiro americano descaracterizando a paisagem, trazendo danos à biodiversidade e dessa forma, interferindo na vida desses produtores. Os municípios de Santa Vitória do Palmar e Mostardas sofrem o impacto do agronegócio com o cultivo do arroz, o uso de herbicidas e demais produtos interferem fortemente na cultura local e na qualidade de vida da população. Em Rio Grande, residem centenas de famílias cujas principais fontes de renda são a pesca artesanal, a agricultura e uma bacia leiteira formada principalmente por pequenos produtores rurais. Há o contraste com a região dos pescadores em todo o universo de abrangência da FURG, onde os impactos causados pela pesca industrializada interferem diretamente no cotidiano dos pescadores. Para os pescadores artesanais, dos quais muitos também são agricultores, as safras de camarão e cebola, se alternam em boas e ruins, dependendo exclusivamente das condições climáticas.

             Os fatos relatados contribuem para aglomeração de comunidades de baixa renda na periferia da cidade (tanto Rio Grande quanto São Lourenço do Sul) causando assim um contingente maior de desempregados, pois também não têm a qualificação exigida pelo mercado urbano. Associado a isso, o êxodo rural é um fenômeno que ocorre, praticamente em todos os municípios do Rio Grande do Sul, sendo sério problema pela sua repercussão na área socioeconômica. Constatam-se sérios problemas sociais, como descapitalização dos produtores e seu consequente empobrecimento. A maioria das famílias tem renda mensal inferior a um salário mínimo nacional, a partir da venda dos produtos obtidos na propriedade com mão de obra familiar.

 A busca por essa contextualização possuiu uma concepção orientadora que pensamos ser fundamental para definirmos as questões provocadoras da construção coletiva do Projeto Pedagógico do Curso. Vale lembrar a problematização levantada por Veiga:

Qual é o contexto filosófico, sociopolítico, econômico e cultural em que a escola está inserida? Que concepção de homem se tem? Que valores devem ser defendidos na sua formação? O que entendemos por cidadania e cidadão? Em que medida a escola contribui para a cidadania? Em que dimensão a escola propicia a vivência da cidadania? [...] Qual é o papel da escola diante de outros espaços formadores? (VEIGA, 2011, p.20).

 

Buscando responder a essas provocações de Veiga, encontramos tanto nos princípios do Decreto 7.352/2010 que orientam a Educação do Campo, quanto em Paulo Freire, elementos significativos e profícuos para pensarmos o nosso projeto. No que concerne ao referido decreto, de modo geral, os princípios apontam para o respeito à diversidade do campo; incentivos à formulação de propostas que são específicas para o campo a partir de conexões com o campo; valorização da identidade da escola do campo; e participação da comunidade nos movimentos sociais do campo. Eles podem ser vistos em Freire no que diz respeito à importância da leitura de mundo, a valorização dos sujeitos a partir de seus contextos, e a construção de conhecimento a partir da valorização dos saberes.